domingo, 26 de dezembro de 2010

A minha filha e o senhor

Mulher: Me perdoe padre pois eu pequei. Faz dezenove anos desde a minha última confissão.

Jovem Padre: Dezenove anos? Dezenove anos é muito tempo minha filha.

Mulher: Foi na minha primeira comunhão.

Jovem Padre: Você quer dizer que só fez a primeira confissão?

Mulher: Bom… É.

Jovem Padre: Tudo bem. O importante é que você resolveu fazer a segunda.

Mulher: Claro.

Jovem Padre: Bom, já vi que essa vai ser uma confissão longa.

Mulher: Longa?

Jovem Padre: Dezenove anos de pecado é muita coisa.

Mulher: Ué. E quem disse que eu pequei tanto assim?

Jovem Padre: Minha filha, todos somos pecadores. Até a mais correta das Irmãs Marcelinas peca diversas vezes ao dia.

Mulher: Mas não precisa confessar tudo, né?

Jovem Padre: Claro que não, minha filha. Claro que não. Só mesmo os pecados capitais. Ou os que você julgar mais… mais…

Mulher: Pesados?

Jovem Padre: Bom. Eu ia usar outro termo. Mas acredito que pesado cabe neste caso.

Mulher: Pesado cabe?

Jovem Padre: Pesado cabe.

Mulher: Pesado cabe. Pesado cabe. Bom. Então vamos lá. (pausa) Eu devo começar pela ordem cronológica ou de trás pra frente?

Jovem Padre: O que você preferir.

Mulher: De trás pra frente.

Jovem Padre: Então vamos de trás pra frente.

Mulher: Bom. O meu último pecado pesado…

Padre: Sim…

Mulher: Ai, que vergonha.

Padre: Não precisa ter vergonha, minha filha. Lembre-se de que eu sou só o ouvido de Deus. Você não deve pensar em mim como uma pessoa.

Mulher: É justamente essa a questão.

Padre: Que questão?

Mulher: Do pecado.

Padre: Do seu último pecado.

Mulher: Do meu pecado corrente.

Padre: Pecado corrente? Pecado pesado como uma corrente?

Mulher: Não, padre. Pecado correte, pecado corrente.

Padre: Que você carrega amarrado ao seu corpo, como uma corrente.

Mulher: Não.

Padre: Que você exibe para todos como uma corrente no pescoço.

Mulher: Meu Deus, não tem metáfora! Corrente no sentido de que está correndo. De que é presente. De agora.

Padre: Seja mais clara.

Mulher: É que o meu último pecado meio que ta em curso. (pausa). Eu to pecando.

Padre: Está pecando?

Mulher: Neste momento.

Padre: Como assim, minha filha?

Mulher: Por ter entrado no seu confessionário. Por estar aqui, falando com o senhor.

Padre: Minha filha, a confissão está longe de ser um pecado.

Mulher: Mas é que eu to com tesão no senhor.

longa pausa

Padre: Minha filha, a confissão está longe se ser um pecado…

Mulher: Padre, você não ouviu o que eu disse?

Padre: Ela é um sacramento…

Mulher: Padre…

Padre: Que começa na primeira comunhão…

Mulher: Padre!

Padre: E acompanha o fiel até o leito de sua morte.

Mulher (alto): Padre, eu disse que to com tesão no senhor!

pausa mais longa que a anterior

Padre: Bom… É… De fato você tem um pecado corrente.

Mulher: Na verdade eu nem ia me confessar, sabe? Pra ser sincera, eu não sou muito religiosa… Eu até faço sinal da cruz quando vejo gente atropelada na rua e pulo as sete ondas no Réveillon. Mas igreja, igreja… Só casamento e batizado, sabe?

Padre (nervoso): Sei minha filha, sei…

Mulher: Mas hoje eu tava passando aqui na porta daí eu vi você… quer dizer… o senhor. (pausa) Ai, tão esquisito te chamar de senhor. Tu deve ter a minha idade, né não?

Padre: Vamos voltar ao pecado corrente, minha filha… Pecado corrente.

Mulher: Ai, desculpa. Enfim. Eu vi você entrando no confessionário lá da rua. Eu te achei tão gatinho, mas tão gatinho. E não foi só porque eu te achei gatinho não. É que. Sei lá… Eu acho que… Rolou.

Padre: Rolou?

Mulher: É. Rolou.

Padre: Rolou o quê, minha filha?

Mulher: Pára de me chamar de filha que se bobear eu sou mais velha que tu. Aliás, quantos anos você tem?

Padre: Isso não faz parte do sacramento da conf…

Mulher: É só uma perguntinha, padre.

Padre: É… 27.

Mulher: Jura?

Padre: É. Por quê?

Mulher: É que o senhor parecia ser mais novinho.

Padre: É mesmo? Sempre me dizem isso.

Mulher: Bom eu tenho 26. Mas acho que eu pareço um pouco mais velha.

Padre: Ah sim?

Mulher: É. Acho que é por causa do trabalho.

Padre: O que você faz, minha filha?

Mulher: Sou corretora de imóveis.

Padre: Olha! Meu pai era corretor de imóveis na cidade dele: Ipameri.

Mulher: A família do senhor é de Ipameri?A minha também! Por parte de mãe.

Padre: Que coincidência, minha filha! Eu nunca fui lá, mas dizem que é lindo.

Mulher: É uma graça… Que nem o senhor.

pausa ainda mais longa que a anterior

Mulher: Padre. O que o senhor acha de a gente continuar essa confissão… fora da Igreja.

Padre: Continuar a confissão?

Mulher: É padre, a confissão, a confissão. Vai continuar sendo uma confissão. Só que no boteco ali da esquina.

Padre: Ali da esquina?

Mulher: Ou lá perto de casa, que fica a uma meia hora daqui.

Padre: Bom… Eu não sei…

Mulher: Poxa, padre. Eu não vou poder terminar minha confissão? O senhor vai fazer isso comigo?

Padre: Não é isso, minha filha.

Mulher: É só uma confissão.

Padre: Mas vai ser uma confissão, não é?

Mulher: Claro, padre claro. Ainda uma confissão.

pausa

Padre: Bom… É… Sendo assim, eu acho que não há mal.

Mulher: Ai, que bom, padre, que bom!

Padre: Mas com uma condição.

Mulher: Qual?

Padre sai do confessionário, olha para mulher, pega-a pelas mãos, levanta e fica face a face com ela. Ele olha bem nos olhos dela e diz:

Eu continuo te chamando de “minha filha”, e você me chame de “senhor”.



Texto de Rodrigo Nogueira

3 comentários:

  1. Gostei da história do chiclete, de janeiro de 2010 (desabafos). Engraçado mesmo, e original. Decote, não há homem que não goste, mesmo os pelancudos, barrigudos, véio, crente, ateus. É sina. Nascemos, morreremos assim. ..........José Marcos.

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  2. Gostei da história do chiclete (Janeiro de 2010-desabafos). Decote, não há homem que não goste, pode ser pelancudo, barrigudo, careca, véio, ateu, crente. É sina. ......José Marcos.

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  3. Vou postar mais sobre meu dia-a-dia, pior é que vai dar muito texto e todos bem engraçados.

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